Tuesday, November 29, 2005

Rép aflito

Ministério da Soltura
A meritória instituição
Merecia outra postura
Por toda esta multidão

É uma pouca vergonha
Na concertada porcaria
Uns estão a fazer ronha
Outros uma coprolalia

Não é justo para ninguém
Continuarmos em perda
Pois aposto que não sabem
Que fazer com tanta merda

Se eu mandasse distribuía
Pelos outros ministérios
Admitindo que conseguia
Tornar os estercos etéreos

Não me admira portanto
Que andem todos a bostar
Apenas me dá o espanto
Pelo destino do jantar

Mas é uma grande verdade
Pra rapaz ou rapariga
Pôr à prova a igualdade
Ao sentir dor de barriga


Lino Centelha
(com o alto patrocínio do Ministério da Soltura)

Thursday, November 17, 2005

Homenagem

Venho por este meio prestar a minha homenagem a todas as homenagens que se fazem para homenagear pessoas e instituições dignas de homenagem.
Consiste a minha homenagem em homenagear, homenageando os homenageados, os homenageadores e as homenagens em si.
Em primeiro lugar homenageio os primeiros homenageadores que, suponho eu, terão ficado conhecidos por homenagear alguém que, digno de homenagem, nunca tinha, lamentavelmente, homenageado ninguém. Essa notável iniciativa de iniciar esta homenageável atitude de homenagear, é, do meu ponto de vista, digna de toda a homenagem. Infelizmente, estas assinaláveis figuras dos primeiros homenageadores - amadores pioneiros e carolas - não ficaram com o seu nome devidamente registado na história, tendo eu agora de prestar a minha homenagem ao homenageador desconhecido, figura ímpar da história da homenagem, percursor de toda a trepidante e infatigável actividade homenageante que saudavelmente frutificou, se multiplicou e profissionalizou nos nossos dias.
Homenageio também os primeiros homenageados, que a leviana história igualmente deixou de parte, mas menos injustiçados porque, digamos assim, já tiveram a sua quota-parte de homenagem e que chamarei univocamente homenageado desconhecido.
Homenageio a seguir os homenageadores de segunda ordem que gratuitamente se emocionam com as homenagens que se fazem aos homenageados, ficando sempre com a culpa infame de não terem sido eles os homenageadores de primeira ordem, e se limitam a bater sentidas e dolorosas palmas no fim da festa. Quantas vidas não terão perdido sentido por não poderem fazer a sentida homenagem a que tinham direito, no momento certo, devido a um homenageador mais afoito que se lhes antecipou.
Homenageio ainda aqueles - e aqui ocorre-me uma lágrima - que nunca tiveram a perspicácia e a rapidez suficiente para, pelo menos uma vez, fazerem uma justa homenagem, antecipando-se aos seus pares - nesta competição feroz em que nos movemos - no reconhecimento inequívoco de um homenageável.
Por último, homenageio aqueles que, por razões que a razão não conhecerá, nunca foram homenageados, num nítido desperdício de matéria homenageável que me apraz agora corrigir.
Para terminar, torna-se evidente que esta minha emocionante e emocionada homenagem é digna de uma grande homenagem.

Lino Centelha
© Dias que Voam


Wednesday, November 09, 2005

Livros da vida

Para o Dias que voam fiz a lista dos 20* livros mais importantes da minha vida:

1. O Caminho Menos Percorrido, M. Scott Peck
2. A Vida não se Aprende nos Livros, Eduardo Sá
3. A Profecia Celestina, James Redfield
4. Tudo o que Temos Cá Dentro, Daniel Sampaio
5. Parar, David Kundtz
6. Bem-Estar Interior, Mª José Costa Felix
7. As Terças com Morrie, Mitch Albom
8. Elogio do Silêncio, Marc de Smedt
9. O Futuro do Amor, Daphne Rose Kingma
10. XIS Ideias para pensar, Laurinda Alves
11. Um Discurso Sobre as Ciências, Boaventura Sousa Santos
12. Portugal, Hoje - O medo de existir, José Gil
13. Tipos Dementes, Daniel C. Dennett
14. Quantum Chemistry, Ira N. Levine
15. O Nada e a sua Evolução, Frederico Meltingpoint
16. Matemáticas Assassinas, Kjartan Poskitt
17. Linux in a Nutshell, Ellen Siever
18. A Cibernética não é Difícil, A. Kondratov
19. Pós-Modernismo para Principiantes, Richard Appignanesi
20. A Improbabilidade da Comunicação, Niklas Luhmann

*Quando tiver lido mais eu digo

Lino Centelha

Saturday, November 05, 2005

Rép lido


Passei uma noite inteira

Olhando fixo a Ribeira

Enrolado numa esteira

Mirrado pela tremideira

A procurar a maneira

Zoológica ou certeira

Irada na pasmaceira

Natural da Ericeira

Horizontal à maneira

Ou vertical como queira.


Negociando a certeza

Um paradoxo na mesa

Marcado pela beleza

A chama já muito acesa.


Avanço contra o encanto

Vitimado pelo espanto

Entalado pelo pranto

Naufragado por enquanto

Isto passa, no entanto

Douro a pílula portanto

Ao pensar que sou um santo.


Deu tudo isto para o torto

E eu quase fiquei morto

Cimbalino concentrado

E para sempre acordado

Não tivesse eu almoçado

Tripas à moda do Porto

E um gim tonificado.


Nunca a paixão pelo belo

Usada com tal desvelo

Montar o barco rabelo

Assim como a pôr um selo.


Candidato à solidão

Infiel por convicção

Decidi já sem razão

Adoptar a escravidão

Daquela chamada São

E ficar como seu cão.


De nada valeu o drama

Ela pisou minha chama.


Gaia está entristecida

E hei fel na ponte minha

Nesta São que está esquecida

Tento encontrar a saída

E comer a francesinha.


Lino Centelha


Friday, November 04, 2005

A Mikas

Não gosto de me recordar da Mikas. Nunca me recordo. É uma questão de princípio não me recordar das coisas que passaram. Passou, acabou. Mas às vezes, por razões mais ou menos racionais lá vem uma recordação.

Já não me lembro do que é que ía falar. Ah! Já sei, da Mikas. Conheci-a numa acção de formação que frequentei no Algarve sobre como conseguir fundos para fazer acções de formação em hotéis na época baixa. Como ela não tinha calculadora pediu-me a minha emprestada e eu acabei a fazer as contas à mão.

É muito complicado perceber as mulheres. Arranjam sempre um bom motivo para durante o café-partido levar a conversa para fora dos temas puramente profissionais. Eu tinha a intenção de confrontar o monitor com uma série de questões muito pertinentes sobe os fundos, as faltas de fundos, as acções e a falta de formação, mas por causa da calculadora acabei a discutir com a Mikas, na ocasião ainda Dra. Miquelina, a falta de qualidade do café e de como isso produzia efeitos de dramática sonolência no resto da acção. A Mikas usava a sua voz rouca para me dizer que havia coisas muito mais capazes de lhe tirar o sono do que o café. Fiquei com a ideia que ela andava a meter qualquer coisa, o que na altura me deixou um bocado perturbado.

No café-partido da tarde ela pediu-me que lhe fosse buscar um sumo de laranja. Parece uma coisa simples mas não é. Porque um sumo de laranja deve ser feito de laranjas e o que tinham para dar aos formandos era um sumo instantâneo com cheiro a urina pós-coito. Perguntei se não tinham sumo de laranja natural e foi-me dito que aquele era natural mas eu podia juntar gelo. Insisti que queria o sumo natural de laranjas verdadeiras. Não tinham. O único sumo natural era aquele, feito de pó dissolvido em água mineral, mas se eu quisesse poderia ir ao bar do hotel pedir um sumo espremido no momento. Fui ao bar do hotel e disseram-me que estava fechado àquela hora por estar a haver um quebra-café numa acção de formação. Depois de alguma conversa o recepcionista disse-me para eu tentar directamente na cozinha. Na primeira subcave encontrei o que parecia ser uma cozinha mas veio a revelar-se uma lamentável lavandaria. Tive sorte porque estava lá uma empregada que me orientou na direcção da segunda subcave onde encontrei a porta principal da cozinha. Bati e como ninguém me atendeu entrei. A cozinha estava às moscas. Havia centenas delas. Depois de procurar encontrei um saco com laranjas. Com um pano espantei as moscas de cima da fruta e peguei em três laranjas que me pareceram adequadas para um bom sumo. Logo a seguir encontrei uma máquina espremedora eléctrica que por azar estava muito suja. Pensei que já que estava ali não ia desistir e por isso desmontei a máquina e lavei com o cuidado possível as peças que entravam em contacto com o sumo. Foi uma tarefa difícil e demorada porque estava tudo um bocado encardido e o detergente era muito agressivo para as mãos mas tinha dificuldade em descolar os sucos antigos do alumínio. Logo que consegui ter a máquina montada pude fazer um excelente sumo de laranja. Posso dizer que as coisas estavam a correr bem não fosse a dificuldade em encontrar o caminho de regresso à sala da formação. Quando finalmente consegui encontrá-la já os trabalhos do dia tinham terminado. Fiquei um bocado aborrecido porque acabara perdendo uma sessão importante em que se ia falar da correlação entre a formação e os custos na óptica da oportunidade e suas consequências. Achei que a Mikas me poderia transmitir aquilo que tinha perdido e fui à recepção saber em que quarto ela estava. Dirigi-me ao quarto 269 que era muito perto do meu, o 296. Bati duas vezes e a Mikas gritou lá de dentro para entrar. Estava no banho e lá continuou mais meia hora. Quando apareceu entreguei-lhe o sumo e perguntei-lhe que tal tinha sido o resto da sessão da tarde. Ela não respondeu, bebeu o sumo e sentou-se em cima da larga cama.

Então disse-lhe: "Porque estás triste? Não te dei já o sumo de laranja que querias?"


(continua)


Lino Centelha