Monday, February 13, 2006

Mania do Chulé


Na sequência de uma visita meramente cultural ao Chulé na Meia aconteceu-me uma espécie de choque humanístico - em oposição a um choque tecnológico - que certamente num desvio às leis do essencial e do acessório me tocaram de perturbação e ansiedade.

Andava eu já preocupado por esta assimetria moral que faz com que noventa e nove vírgula nove por cento dos 'blogueres' tenham sido desafiados a revelarem as suas manias e nem um se tenha lembrado de mim quando, por acaso - e neste caso o acaso também se pode dizer puro - me defrontei com o drama do Chulé.
Verdade seja dita que mesmo que alguém me encadeasse na lista dos reveladores de manias eu não me teria dado ao trabalho de o fazer pelas seguintes razões: primeiro porque as minhas manias são inconfessáveis; segundo porque se não fossem inconfessáveis não seria manias; terceiro porque aquilo que eu eventualmente fosse capaz de confessar deixaria nesse instante de ser uma mania para passar a ser uma coisa de que, ainda que inconfessadamente me orgulhava.
O que me chocou no Chulé na Meia, e devo dizê-lo sem inibições, foi terem revelado publicamente a identidade de alguém que no anonimato tinha revelado uma mania inconfessável com o propósito muito sublime de saber se a sua mania se podia inscrever numa certa ordem, se não natural, pelo menos corrente e comum.
Ainda que até hoje tenha tido múltiplas e confirmadas razões para não acreditar na minha intuição, não pude deixar de intuir que na cabeça do Chulé se terá desenvolvido uma, digamos assim, necessidade extrema de partilhar uma pulsão interior que resulta de um conflito de opiniões entre a sua cabeça pensante e o seu húmus existencial.
Vamos por partes. Entre as minhas manias inconfessáveis não se encontra a mania do Chulé. Mas partilho com ele a necessidade orgânica e erótica de falar e esperar que algo ou alguém me ouça. E adicionado a isto tenho o hábito assaz esgotante de olhar para as coisas do maior número de pontos de vista possíveis.
Tenho para mim que a chave do mistério está na frase que, impossibilitado que estou se mostrar aqui a sua expressão sonora, transcrevo com a necessária limitação da palavra escrita: "Falo com o meu pénis". Reparem nas variantes que podem ser daqui retiradas e que, numa interpretação que dada a limitação do 'blogger' não pode ser exaustiva, conduzem a leituras muito diversas das intenções do Chulé ou, mais pragmaticamente, das intenções do seu subconsciente.
A leitura primeira identifica o Chulé como alguém que fala, que conversa, que se confessa ao seu próprio pénis. Reparem na questão redundante que tal leitura levanta. O pénis do Chulé está fartinho de saber o que o Chulé quer! A ser esta a leitura correcta estaríamos perante um caso de abuso de liberdade de imprensa dentro do campo restrito do indivíduo. Claro que esta não é a minha leitura.
A segunda leitura, perfeitamente viável, seria a transcrição de uma ideia anti-castrante que tentaria relacionar a masculinidade fálica com o pénis recolhido e, por consequência, afastar os medos da autoridade com jogos do género "falo com o meu pénis", "pénis com o meu falo", "falo como meu pénis", "pénis como meu falo", etc. Estas expressões que como já demonstrei podem dar origem a excelentes poesias 'rap' e conseguem-se assistindo com regularidade a programas de televisão codificados.
Muitas outras leituras haveria a que se poderia dar um enquadramento psico-físico elaborado como por exemplo "falo com o meu pé" em que se omite o 'nis' de uma maneira muito acessível ao Chulé.
Mas vou passar essa multidão de possibilidades para me centrar naquela que me parece a mais defensável e que, pelo seu sentido simbólico, melhor se adequa ao carácter etéreo do Chulé.
Há muitas situações em que um hífen faz a diferença. Todos conhecemos casos, pessoais ou não, em que o hífen resolveu com simplicidade problemas que pareciam complicados. Por vezes as sinapses apressadas trocam o hífen pelo hímen. A minha teoria é a de que, Chulé, num momento particularmente tenso da sua relação com Letícia, e vendo que as coisas não avançavam devido a um pormenor que nitidamente lhe escapava terá dito no ardor da refrega, "fá-lo com o meu pénis" num português impecável em que apenas se esqueceu do hífen.

Lino Centelha