Sunday, April 09, 2006

Zerozerossete and the blockbuster mountain

O agente secreto ao serviço de Sua Majestade, recentemente convertido aos apelos democráticos da República, colocou-se à disposição do novo inquilino do palácio cor-de-rosa, receoso de perder o lugar de funcionário público arduamente conseguido, para resolver, de uma vez por todas, e como missão ultra-secreta, o caso das escutas telefónicas em envelopes de correio azul. No início as coisas nunca correm muito bem mas a experiência internacional de um agente que até já tivera uma aventura no espaço, há-de resolver todos os percalços mantendo sempre a compostura do fato e do rosto e o ar de impenetrável emoção que tanto apraz ao seu novo patrono que até preferia o MacGyver. A necessidade de proceder a investigações em pleno Chiado constitui o risco imediato. Num lugar em que qualquer homem é um alvo em movimento tornou-se claro que só se vive duas vezes e se na primeira o segredo estava nas Blond Girls, desta vez a força da razão estaria nos Blond Boys. A investigação é dura, o meio está cheio de 'oh pás!' hostis e Blond, James Blond, sente que para ter sucesso nesta operação tentacular - sem as habituais octopussies - vai ter que dar o litro e integrar-se no meio, agir de maneira aberta e confrontar cada sentido com uma nova realidade. O andar da carruagem não parece muito propício e o Presidente começa a perder a paciência, mostrando-o através da ingestão nervosa de grande número de pastéis de nata. Os jornais anunciam que o ministro deu ordem para matar. Blond, James Blond, tem que reavaliar o seu plano. Equaciona a hipótese de ir ao estrangeiro fazer uma operação relâmpago. Mas os Boys, Blond Boys, de que se destaca Ary, reúnem-se no Príncipe Real a reclamar, e o governo desmente os jornais, garantindo que apenas existe licença para matar - e não ordem - desde que se reúnam os requisitos mínimos inscritos nas trezentas e trinta e três medidas do simplex. O herói volta à estrada e sente que poderá recuperar a confiança do Presidente se conseguir pôr o seu GoldenEye contra GoldFinger. No Chiado as cotações crescem e desde a Brasileira até ao café da Fnac já todos o consideram um agente irresistível. Mas em todo o lado cresce a inveja, a suspeita e a maledicência. As forças subterrâneas, equipadas de telemóveis de terceira geração com câmaras de dois megapixels e vibra-call tridimensional, fazem a cama ao agente ao serviço do Presidente. Blanka dirige as operações transgénicas. No blogue do É bruto aparecem referências indesmentíveis a uma reunião em que o Presidente terá dito a Blond, "vive e deixa morrer". Tudo indica que Blond, James Blond, terá sido incluído nos cem mil portugueses com direito a receber o anti-viral contra a gripe das águias. A comunidade estrangeira em Portugal reúne-se de emergência para reivindicar o direito ao anti-viral uma vez que todas as estatísticas garantem que o país já teria parado se eles cá não estivessem. Blond, James Blond, fica assim na charneira de um delicado problema diplomático com ramificações em países geralmente bem comportados nestas coisas dos direitos humanos como o Canadá, o Brasil e a Ucrânia. É neste momento que o carácter internacionalista do nosso agente vem ao de cima. O suspense é dado pela grande questão que nesta altura da acção dilacera o espectador: estará Blond, James Blond, em condições de enfrentar o homem da pistola dourada? Aqui existe uma dúvida que deve ser colocada aos promotores do filme: se a intenção é fazer uma sequela esta é a ocasião porque ou o amanhã nunca morre ou morre noutro dia. Segundo a prospecção de mercado os espectadores ficariam mais satisfeitos com perseguições vertiginosas pela rua Garrett acima e alguns eléctricos descontrolados a atravessar o Luís de Camões. Na cena da decisão enquanto Blanka discute com Blond, James Blond, se os diamantes são eternos ou não - Blond acha que sim, Blanka mais pragmática diz que são eternos enquanto duram - entra na sala Ary, armado até aos dentes, dizendo a Blanka que o mundo não chega para os dois. Blanka parece indefesa vestida apenas com uma minúscula cueca. Blond, James Blond, parece indeciso entre as paixões antigas e as mais recentes e não consegue mexer-se no seu fato às riscas muito engomado. Ary sente-se senhor da situação. Blanka num movimento ágil de mulher moderna que lê a Cosmopolitan, tira rapidamente o pequeno penso higiénico diário do interior da minúscula cueca. De facto não é só um penso higiénico. É também um telemóvel com UTMS de banda larga. Mas não é só um telemóvel é também muitas outras coisas. Mas o que interessa para aqui é que é também uma sofisticada metralhadora de alta definição. É com ela que Blanka aponta e mata Ary. Blond, James Blond, fica chocado - mas não surpreendido - com a quantidade de sangue que Ary tinha de reserva. Num primeiro momento Blond treme de angústia. Num instante vê que só lhe resta um caminho para salvar a reputação. Lança-se aos pés de Blanka que dobra o seu telemóvel fumegante e diz-lhe: casa Blanka, casa comigo. Blanka olha para ele com carinho e diz-lhe: casar não digo querido, mas juntamo-nos... pelo menos até a lei mudar...


[Este guião foi feito no intuito, suponho eu, patriótico, de dar à mão-de-obra nacional - chamemos-lhe assim - trabalho qualificado de representação cinematográfica, colocá-lo na senda das grandes questões do nosso tempo, e criar a hipótese, nada remota, de um filme português poder pela primeira vez ganhar o Oscar para o melhor filme estrangeiro e acumular, pela primeira vez também, os Oscares de melhor actor e melhor actriz para a mesma personagem.]


Lino Centelha

1 comment:

Fausta Paixão said...

Uma verdadeira divina comédia, Lino...