Monday, December 06, 2010

Aliança

A única vantagem de um governo ppd-psd-cds-pp é matar quatro coelhos com uma cajadada.

Thursday, April 24, 2008

Comunicado

Apesar dos inúmeros apelos, apoios, petições 'on-line', abaixo-assinados, declarações públicas, movimentos de base, reuniões de históricos e SMSs, venho declarar veementemente que não sou candidato à Presidência do PSD. Mais, reitero o meu incondicional apoio à candidatura do Engº José Sócrates, como único candidato credível para levar de novo o nosso partido ao poder.


Lino Centelha

Friday, January 04, 2008

Tirem! Tirem! Tirem!

( O Finúrias, que não tem mais que fazer, voltou a desafiar os grandes prosadores deste país para um texto alusivo já não sei a quê. Claro que eu tinha que estar presente...)

Tirem-me Setembro.

Tirem-me o Salazar e o estado novo e este novíssimo também.

Tirem-me a ditadura e a censura e a emigração para a América.

Tirem-me as alpergatas e as ceroulas e os campeonatos do Benfica.

Tirem-me a guerra de África e a do Iraque e a do Afeganistão.


Tirem-me Outubro.

Tirem-me a cauda da Europa e o corno de África.

Tirem-me as vitórias no atletismo de fundo.

Tirem-me a Amália, o Eusébio e o Pedro Abrunhosa.

Tirem-me a república, a monarquia e a independência.


Tirem-me Novembro.

Tirem-me a revolução e o muro de Berlim.

Tirem-me o folclore, as 770 novas Amálias e o Roberto Leal.

Tirem-me as castanhas e a água pé e a ginginha.

Tirem-me o verão de S. Martinho e o café descafeinado.


Tirem-me Dezembro.

Tirem-me o vinho, tirem-me a carta, tirem-me as próteses.

Tirem-me as couves galegas e o bolo rei com fava e brinde.

Tirem-me as mensagens do Cardeal, o ano novo do Presidente e o Last Christmas dos Wham.

Tirem-me a maior árvore de Natal do mundo e do universo.


Tirem-me Janeiro.

Tirem-me o Escudo invisível.

Tirem-me as tias, Cascais e o IC19.

Tirem-me a casa, o carro e as jóias da família.

Tirem-me o peso, a gordura, o cigarro e a saúde.


Tirem-me Fevereiro.

Tirem-me a máscara e os dias a menos.

Tirem-me a quarentena, o jejum e a indigestão.

Tirem-me a fé, a esperança e a criatividade.

Tirem-me o sono, o sexo, a cama e a mesa.


Tirem-me Março.

Tirem-me o pai, a mãe e a restante família.

Tirem-me uma fotografia para renovar o bilhete de identidade simplex.

Tirem-me o colete salva-vidas e o colete de forças e o colete encarnado.

Tirem-me o pão, a sopa e os convites da autarquia para ir ao teatro.


Tirem-me Abril.

Tirem-me a democracia, o parlamento, a vida e a liberdade.

Tirem-me Fátima, o Fado e o Futebol.

Tirem-me a minha marquise, a minha unhaca do mindinho e a SporTV.

Tirem-me o meu lugar cativo no estádio e o concerto dos três tenores.


Tirem-me Maio.

Tirem-me o emprego, os biscatos ou mesmo o meu posto de técnico de arrumação automóvel.

Tirem-me os sonhos e a gasolina barata e o passe social.

Tirem-me o subsídio de almoço, a bica e os pastéis de nata.

Tirem-me as espigas e as raparigas e o avô cantigas.


Tirem-me Junho.

Tirem-me o Camões e o Fernando Pessoa e os eléctricos de Lisboa.

Tirem-me a Expo, o casino e o parvalhão do futuro.

Tirem-me o Santo António, o S. Pedro, o S. João e a lúcida Lúcia.

Tirem-me as "trivelas", a "sustentabilidade" e o "então é assim".


Tirem-me Julho.

Tirem-me o subsídio de férias e a devolução do IRS.

Tirem-me a tenda vitalícia na Costa da Caparica.

Tirem-me a vocação para a matemática e ciências naturais dos meus filhos.

Tirem-me o passado e o presente deixado no chão pelo cão do vizinho.


Tirem-me tudo, tudo isto, mas não me tirem Agosto.

Que nessa altura estou de férias na pacatez das praias do Algarve, bem untado com protector solar factor 15, óculos de sol e vigilante, "derivado às gaijas boas e aos tsunamis que hádem acontecer".


Lino Centelha

Monday, December 24, 2007

Votos de Natal


Este ano, aos que forem passar o Natal à terra, desejo que não fiquem por lá. E aos outros também.

Sunday, December 16, 2007

Super cliente Sapo

Nem só os meus amigos 'bloggers' me enviam inquéritos a sondar a minha inefável personalidade. Os meus amigos do 'sapo' também estão muito interessados nos meus dados pessoais, provavelmente porque estão na corrida para identificar quem são os tais que andam a desinquietar a noite da cidade do Porto. Ou quem anda a levar caixas multibanco para casa, sei lá. Aqui vai o último inquérito que me vai garantir 4,5 kg de Toblerones.



Consegue imaginar o que faria com 4,5Kg do delicioso chocolate Toblerone? Consegue? Então tudo o que imaginou poderá vir a ser realidade!


Preencha o formulário que se segue e habilite-se a ganhar um dos 45 Super Toblerone de 4,5Kg


1. Para tal, tem de ser um Super Cliente de um, ou mais, dos seguintes serviços: - Serviço de Telefone Fixo da PT Comunicações - Serviço SAPO ADSL - Serviço Sapo Mail - Serviço SAPO Messenger.


Nome -------------------- Lino Centelha

Morada ------------------ Mem Martins City

Telefone de Contacto -----9XX XXX XXX


Nota: Se for um dos vencedores, será contactado para o número de telefone indicado em "Telefone de Contacto"


2. Sou um Super Cliente...


PT Comunicações - Número de Telefone Fixo ---------- 21X XXX XXX

SAPO ADSL - Username do acesso ADSL -------------- as????????????@sapo

SAPO Mail - Endereço de Email SAPO ---------------- ???????????????@sapo.pt

SAPO Messenger - Endereço de Email utilizado no SAPO Messenger ----------- JAMAIS!


3. Mas não basta ser um Super Cliente... terá de nos convencer disso. Inspire-se e escreva uma frase a explicar porque é um Super Cliente.


Sou um super cliente, mas tão super cliente, que quando se olha para mim se vê logo que sou um super cliente. Tenho um telefone fixo que quase não uso mas que tenho que ter para ter o ADSL e pelo qual pago, quer faça chamadas, quer não faça chamadas 15,32 € por mês. A ligação ADSL propriamente dita custa-me a módica quantia de 35,57 €. Pago, portanto, 50,89 € por mês para "assapar", como vocês dizem. Isto faz de mim um dos melhores pagadores de internet da Europa, com uma velocidade de 4 Mega que é sempre na prática menor que noutros países com velocidades nominais menores e que pagam menos. Além disso recebo, com toda a paciência, este tipo de 'mails' e telefonemas que me garantem que o que pago inclui levar em cima com o marketing que vos apetece. Se eu não sou um super super cliente ao manter-me na vossa rede, quem é que é?


4. Por fim, envie-nos a sua melhor receita para acompanhar ou utilizar o chocolate Toblerone, que poderá ser publicada em http://sabores.sapo.pt.


Os 15,32 € que pago para um serviço que não sei o que é, mas que suponho que sirvam para sustentar o Limbo, que o infalível Papa disse ter acabado, davam para comprar pelo menos 6 Toblerones pretos por mês, que é a dose recomendada pela OMS a quem não viva nos países produtores de cacau (esses que chupem no dedo que já ficam com o imenso dinheiro que sobra dos intermediários Europeus que têm um enorme trabalho a trazer o cacau para cá...) Mas uma boa receita para um Toblerone pequeno é eu a dar uma dentadinha num lado e ela do outro até o Toblerone acabar e depois continuar... Os 4,5 kg de Toblerone hão-de dar até à Primavera e só nessa altura mudar de rede para conseguir manter o hábito.

Friday, November 09, 2007

Sorte grande

Nós, portugueses, não somos tristes nem melancólicos. Pelo contrário, somos alegres e despreocupados. O que nos leva a andar sempre de cabeça baixa e olhos no chão é o medo de pisar cocó de cão.

Friday, October 19, 2007

Tuning desportivo

Senhor Director

A 8 de Setembro surpreendia-se o Público Digital com a sondagem Marktest a considerar que "Wrestling é o site desportivo mais visitado". Também a mim o 'desportivo' me soou como uma pancada na cabeça, mas acho que recuperei.

Nos últimos tempos o fenómeno dos auxiliares químicos para melhorar o físico dos atletas parece ter-se tornado o desporto favorito dos homens. E das mulheres.

O desporto-rei, pelo menos cá entre nós - que noutros países há outros - já só é atraente se jogado e ganho pela nossa equipa.

Perante estes factos e outros semelhantes, evidencia-se que, tal como o Geocentrismo e Deus, o Desporto morreu. A ideia romântica de Ele ser uma forma de unir e exaltar o humano está definitivamente arrumada no sótão. O ténis, o golf, o futebol, a fórmula um, até o atletismo, são formas de valorização económica como quaisquer outras, e destituídas, por isso, dos valores humanistas que as geraram: o atleta é um painel publicitário ambulante.

Proponho por isso, para que não sejamos obrigados a assistir diariamente a mediáticos actos infames e a não menos mediáticos arrependimentos, que se passe a aceitar em sede própria os fenómenos desportivos como eles são.

Poderia haver, sem prejuízo do que já existe, uma Volta à França para Dopados. Porque não? Não há já a Volta à França do Futuro? Esta seria ainda mais à frente. Quando vou para o meu emprego com uma dose adequada de anti-depressivos todos me felicitam por trabalhar tão bem disposto.

Poderia haver um campeonato mundial de Fórmula I para espiões. Ou uns Jogos Olímpicos para atletas carregados de esteróides - Jogos Esteroidimpicos! Se há os Paralímpicos... Aí sim, haveríamos de ver os verdadeiros limites do ser humano, e ficaríamos maravilhados por um humano - com o devido tuning - fazer os cem metros em menos de 5 segundos. No símbolo dos Jogos, em vez de cinco argolas, poderiam estar cinco comprimidos... às cores.

Em termos económicos seria fascinante. As modalidades haveriam de ser mais diversificadas. Surgiriam novos canais temáticos especializados a passar vinte e quatro horas por dia os melhores - ou os piores - momentos. Haveria mais e melhores patrocínios. Porque uma equipa de râguebi em que só se bebesse cerveja poderia competir com uma que só bebesse whisky e pelos resultados sabermos o que é melhor: as marcas teriam aí um confronto directo de potencialidades. Com a vantagem de se poderem conceber modalidades que tirassem partido das novas realidades sociais, como equipas só de emigrantes clandestinos, equipas só de ex-toxicodependentes, equipas só de pedófilos, selecções nacionais só de estrangeiros, equipas amadoras só de divorciados, equipas de jornalistas tendenciosos a jogarem - e a ganharem - com jornalistas isentos falidos, campeonatos mundiais de aberração. São milhentas as hipóteses que existem de ir ao encontro do que realmente as multidões anseiam.

Cá em Portugal, por exemplo, para promover as audiências, seria garantido o sucesso de um desporto, tipo futebol, em que os árbitros só estivessem autorizados a favorecer o Benfica...


(Carta, agora aberta, com sugestões úteis e necessárias, para o Director do Público)

Saturday, October 06, 2007

À atenção do fisco

Benefícios fiscais para os bombistas suicidas por terem uma profissão de desgaste rápido.

Saturday, June 30, 2007

Só descobriram a fraude quando o robot arrotou

Monday, May 14, 2007

Se eu fosse...

Se eu fosse uma hora do dia, seria ... de ponta
Se eu fosse um astro, seria ... um pulsar
Se eu fosse uma direcção, seria... Geral
Se eu fosse um móvel, seria ... um guarda factos
Se eu fosse um liquido, seria ... hélio II
Se eu fosse um pecado, seria ... ignorar
Se eu fosse uma pedra, seria ... pomes
Se eu fosse uma árvore, seria ... uma macieira
Se eu fosse uma fruta, seria ... café
Se eu fosse uma flor, seria ... um lírico
Se eu fosse um clima, seria ... pesado
Se eu fosse um instrumento musical, seria ... um banjo
Se eu fosse um elemento, seria ... o Mendelévio
Se eu fosse uma cor, seria ... azul cobalto
Se eu fosse um animal, seria ... um leopardo
Se eu fosse um som, seria ... um zumbido
Se eu fosse música, seria ... "Bridge over troubled water"
Se eu fosse estilo musical, seria … rock sinfónico
Se eu fosse um sentimento, seria ... angústia
Se eu fosse um livro, seria ... "Um almoço nunca é de graça"
Se eu fosse uma comida, seria ... arroz
Se eu fosse um lugar, seria ... "aldeia da Luz"
Se eu fosse um gosto, seria ... natural
Se eu fosse um cheiro, seria ... terra molhada
Se eu fosse uma palavra, seria ... "acaso"
Se eu fosse um verbo, seria ... sonhar
Se eu fosse um objecto, seria ... um ábaco
Se eu fosse peça de roupa, seria ... um chapéu
Se eu fosse parte do corpo, seria ... a narina esquerda
Se eu fosse expressão facial, seria ... a perplexidade
Se eu fosse personagem de desenho animado, seria … Rantamplan
Se eu fosse filme, seria ... "Até os anjos comem feijões"
Se eu fosse forma, seria ... um recta no espaço de Riemann
Se eu fosse número, seria ... o número de Nepper
Se eu fosse estação, seria ... meteorológica
Se eu fosse uma frase, seria ... "anda cá que eu te levanto"


Lino Centelha

Thursday, February 15, 2007

A Xis

Soube no sábado passado que a Xis, a revista suplemento do Público, ia acabar. Confesso que foi um choque. Há uns anos, quando comecei a lê-la, eu era outro homem. Ou antes, eu hoje, graças à companhia da Xis, sou outro homem.
Quando o Lino Centelha me perguntou se eu queria colaborar no blogue dele, há mais de um ano, eu disse-lhe que sim porque considerava que a minha experiência haveria de ser benéfica para uma série de homens que, digamos assim, nunca se tinham aproximado da revelação. O facto é que ao mesmo tempo eu achava que tecer aqui um elevado nível de informações para proveito de desconhecidos que muito provavelmente não mereciam, era o mesmo que dar pérolas a porcos. Por isso e pela falta de tempo fui adiando a colaboração.
O fim da Xis, que me deixa com um certo tipo de orfandade, e a novidade de este blogue ter passado a ter um patrocinador que remunera as colaborações, fazem com que me pareça mais aliciante dar andamento a uma intervenção que vai ser, seguramente, mais benéfica para os leitores do que para mim.
O meu propósito é dar à generalidade das pessoas os elementos básicos de uma vida de experiências que não tendo sido sempre bem sucedidas, encontraram no reforço da auto-estima o elemento vital para uma vida de êxitos e felicidade.
Antes de conhecer a Xis, há alguns anos, eu sentia-me terrivelmente culpado pela vida que levava, pela maneira como tratava os meus semelhantes, pelas irregularidades que as circunstâncias me levavam a cometer, pela dureza com que tratava os meus familiares, pelas sacanices que fazia, pelas burlas e corrupções, em suma por uma vida ética e moral que eu próprio considerava reprovável mas não conseguir evitar.
Ao conhecer a Xis, em poucos meses, a leitura cuidada e repetida dos melhores artigos, a atenção aos editoriais, o brilho das entrevistas e dos conselhos, a insistência daquela fantástica visão do mundo, aumentou de tal maneira a minha auto-estima e o meu amor-próprio que eu passei a conhecer o segredo que fazia alguns comentadores de televisão serem tão felizes e imperturbáveis.
Hoje, graças a uma tão singela revista, já não sinto culpa de nada.

Vidigal Inácio

Saturday, February 03, 2007

Sunday, January 21, 2007

Talvez

Na grande questão do aborto, decidi fazer campanha pelo talvez. Depois de muito pensar e me informar, e voltar a pensar depois, cheguei à conclusão que não me revejo nem no sim nem no não. Não sei ainda como vou montar a minha estratégia de campanha, até porque não parece ter sido prevista uma posição que excluísse as duas que estão a ser impostas, mas como a razão está do meu lado, só tenho que seguir em frente com fé. É precisamente por aí, pela confrangedora pobreza da proposta, que a minha campanha do talvez vai começar: o referendo ao aborto, nos moldes em que está definido, corresponde a um efectivo aumento dos impostos. Estamos, portanto, perante mais uma clamorosa violação das promessas eleitorais. Como sabem a violação é uma das circunstâncias em que o aborto já é permitido na actual legislação. Havendo neste caso, uma violação, parece-me a mim que há fortes probabilidades de o referendo ao aborto ter o direito de ser abortado. Porém, e aqui se vê a diferença da minha proposta, o talvez é uma posição que deixa em aberto a hipótese de não se fazer o aborto mesmo no caso de violação.
Eu sei que o talvez vai ser visto por muito boa gente - e pela má ainda mais - como uma espécie de pelo sim pelo não. Nada de mais errado porque o talvez é mesmo para ser ao mesmo tempo contra o sim e contra o não, mantendo-se na equidistância central que é própria da virtude.
O talvez pretende dar uma hipótese ao abortado de ter uma palavra a dizer. É um pouco como a escolha da religião ou do clube de futebol: será a consciência do próprio indivíduo a determinar a ocasião do seu próprio aborto, mais o recurso eventual a opiniões externas (do tipo deixar os pais dos alunos dar notas aos professores).
Tudo isto parecerá um pouco confuso se não se tiver em conta que o meu projecto vai definir duas novas figuras legais, que passariam a ter efeito se o talvez ganhasse. Refiro-me ao aborto retroactivo e ao aborto a título póstumo.
O aborto retroactivo destina-se a ser aplicado a todos aqueles que a dada altura da sua vida se reconheça ter sido um grave erro não terem sido abortados até às dez semanas. O exemplo recente de Saddam Hussein.
O aborto a título póstumo tem como objectivo ser atribuído a todos aqueles que só depois de terem morrido se lhes reconhece a perniciosidade com que nasceram, e que leva a sociedade a concluir que melhor teria sido se tivessem sido eliminados na altura certa. Augusto Pinochet, por exemplo.
A mais inovadora das propostas é também a que irá ter mais resistência, uma vez que é minha intenção que caso vença o talvez, possa entrar imediatamente em vigor, dando hipótese a que nos livremos de algumas personalidades da nossa vida política e social, que deveriam ter sido abortadas há muitos anos e não foram por causa do não.

Alícia Neto

Tuesday, December 26, 2006

Thursday, December 14, 2006

Beta choque




Temos o grato prazer de anunciar que este 'blogue', na senda do progresso e do futuro, sofreu um OPA - nem foi propriamente amigável, nem abertamente hostil - e aproveitou para se privatizar, acompanhando os inevitáveis ventos da história que o neoliberalismo abençoa. Juntando isto a um choque tecnológico do tipo Beta, estamos em condições de entrar na gloriosa competição de audiências que avassala a blogosfera. Nada saberá como dantes.

Monday, December 11, 2006

Sunday, October 22, 2006

Terapia de grupo

"Hoje não é um bom dia para perceber como isto funciona. Sempre que há futebol, são poucos os doentes. Devia ter vindo a uma segunda-feira..."

Público 22/10/2006

Tuesday, October 10, 2006

Será verdade?

"Cavaco visita prostitutas, sem-abrigo e voluntários de Lisboa"

(diário digital, 10 de Outubro de 2006)

Thursday, August 24, 2006

Σωκράτη

Θεό... Θεό... Θεό... Θεό δε σε λένε
Κεριά... κεριά... κεριά... κεριά δε σου καίνε
Αλλά τα λό... τα λό... τα λό... τα λόγια σου καίνε
Κι ακό... ακό... ακό... ακόμα τα λένε
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ

Αγνός και καλός, ο πρώτος Χριστός
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ
Με κάπα ζητιάνου γυρνούσες
Και στ' άσπρα σου γένια πουλιά

Τριγύρω λαός, κι εσύ άγιο φως
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ
Για αγάπη και φως τους μιλούσες
Σοφέ των σοφών βασιλιά

Θεό... Θεό... Θεό... Θεό δε σε λένε
Κεριά... κεριά... κεριά... κεριά δε σου καίνε
Αλλά τα λό... τα λό... τα λό... τα λόγια σου καίνε
Κι ακό... ακό... ακό... ακόμα τα λένε
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ

Θεό... Θεό... Θεό... Θεό δε σε λένε
Κεριά... κεριά... κεριά... κεριά δε σου καίνε
Αλλά τα λό... τα λό... τα λό... τα λόγια σου καίνε
Κι ακό... ακό... ακό... ακόμα τα λένε
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ... σουπερστάρ... σουπερστάρ

Πιλάτος λαός, σου πήρε το φως
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ
Κι η Αθήνα που τόσο αγαπούσες
Φαρμάκι σου δίνει πικρό

Πικρή χαραυγή, ορφάνευε η γη
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ
Την ώρα που εσύ ξεκινούσες
Να βρεις τον αιώνιο Θεό

Θεό... Θεό... Θεό... Θεό δε σε λένε
Κεριά... κεριά... κεριά... κεριά δε σου καίνε
Αλλά τα λό... τα λό... τα λό... τα λόγια σου καίνε
Κι ακό... ακό... ακό... ακόμα τα λένε
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ

Θεό... Θεό... Θεό... Θεό δε σε λένε
Κεριά... κεριά... κεριά... κεριά δε σου καίνε
Αλλά τα λό... τα λό... τα λό... τα λόγια σου καίνε
Κι ακό... ακό... ακό... ακόμα τα λένε
Σωκράτη εσύ σουπερστάρ... σουπερστάρ... σουπερστάρ


Σώτια Τσώτου

Tuesday, June 06, 2006

Por um partido político para a defesa dos tumores

- D. Yolanda, chamei-a aqui para a informar que tem um tumor no cérebro.
- Oh! Doutor! E é grave?
- Como tudo na vida depende do ponto de vista.
- Então o Doutor quer dizer que é benigno!?
- Bom. Seria pouco ético estar a tecer considerações sobre a bondade do tumor. Como sabe devemos manter-nos equidistantes e preservar a nossa independência em relação a tudo o que possa constranger a correcção dos nossos procedimentos.
- Não entendo Doutor. A minha vida está em perigo?
- Eu não queria ser muito literal porque certamente, mais tarde ou mais cedo, serei prejudicado quando me citar fora do contexto em que estou a produzir estas afirmações.
- O Doutor preocupa-me...
- Por quem é, não precisa de se preocupar comigo, D. Yolanda. A sua qualidade de minha paciente atribuída aleatoriamente pelos computadores do serviço nacional de saúde, é para mim um ponto de honra uma vez que foram as virtudes do acaso que nos juntaram neste momento histórico.
- Comove-me a sua dedicação...
- Analisando a sua questão sobre a 'gravidade' do tumor no cérebro eu penso que deveríamos chegar a um acordo sobre o conceito de 'gravidade' que vamos, neste caso concreto, partilhar. O que é que significaria para si ser grave?
- Porra, Doutor! Quero saber se vou morrer com isto!
- ...
- Peço desculpa...
- Eu compreendo a sua exaltação. Não é todos os dias que nos dão assim notícias que nos tornam uma situação excepcional. Devo entender que se preocupa com a morte...
- Claro, Doutor. Sou jovem. Tinha um futuro à minha frente...
- Em primeiro lugar quero que perceba que não sou eu o responsável por você ter essa coisa dentro da cabeça.
- Sim, eu sei... ninguém é responsável.
- Gostaria que compreendesse que do meu ponto de vista muito pessoal o seu caso não é grave.
- Não?!
- Se você fosse uma doente minha de catálogo, daquelas que chegam à minha procura de maneira activa e empenhada e procuram os meus serviços personalizados, eu até consideraria o seu caso como uma grande sorte para mim.
- Oh, Doutor...
- Mas não foi assim. Não há em si uma vontade explícita de ser minha doente. Chegou a mim por acaso. Não é provável que se entregue confiadamente nas minhas mãos. Depois de mim irá a correr procurar uma segunda e uma terceira opinião até que algum dos meus doutos colegas consiga tocar na corda da sua sensibilidade e determinar a sua crença.
- Eu estou a confiar em si. Só quero saber o meu destino.
- A D. Yolanda não consegue perceber que está na presença de um profissional. Eu não sou um amador. Faço umas horas aqui no hospital mas a minha vida não acaba aqui. Eu não posso considerar o seu caso grave quando ele tem o potencial de aumentar a minha conta bancária. Mas percebo que para si pode ser grave porque vai fazer baixar a sua.
- ...
- Do ponto de vista social é mais ou menos indiferente, apesar de a palavra tumor ser muito complexa, difícil e dolorosa, tem conotações à esquerda, traz alguma revolução, provoca alguma complexificação da coisa social. Mesmo assim é pouco relevante.
- ...
- Já do ponto de vista biológico é uma coisa do domínio do bem. Os tumores são uma espécie minoritária apesar de terem algum relevo social. Antes não se dava conta deles, estavam dentro dos sistemas socialmente aceites. O tumor era uma causa natural de morte. O que não é o mesmo que morrer atropelado por um eléctrico, ou como a morte química ou bioquímica ou radioactiva.
- Acha então que eu vou morrer?!
- Além da questão discriminatória. A perturbação das espécies. Um tumor é um objecto que tem em vista a diversidade biológica e por isso tem que ser preservado. Nesta minha faceta de funcionário público não liberal não vou querer tratar disso. Mas no meu consultório tenho que velar para que a ciência progrida.
- Vou morrer...
- Os concidadãos vão muito solidariamente pagar para tratar o seu tumor. Um tumor é um propriedade pessoal e portanto não deveria ter-se a preocupação de responsabilizar a solidariedade social com o seu problema. Como seu concidadão também não estou minimamente interessado em participar, ainda que modestamente, na resolução de um problema que é seu. A não ser que quisesse que a tratasse particularmente. Sem recibo. Sem provas. Eu não me posso envolver numa situação que me ultrapassa. Eu poderia ter-me dedicado à política. Poderia ser um autarca. Aí sim, a minha função seria preocupar-me com os problemas dos cidadãos.
- Vou morrer...
- Como médico estou preocupado com as variantes que vão florindo da natureza. Não tenho estrutura de açambarcamento moral. Interessa-me muito o ponto de vista do tumor. Uma forma de vida que deveríamos adequadamente proteger. Como médico sinto que o tumor tem muito mais a dizer-me, é muito mais atraente, do que a pessoa que o transporta.
- Já não tenho esperança...
- A D. Yolanda há-de reparar que há milhares de pessoas preocupadas com a vida de pessoas como a senhora. Agora diga-me: e os tumores? Quem se preocupa com os tumores? Que culpa têm os tumores para serem rejeitados por todos sem lhe darem sequer a oportunidade de se defenderem?
- Eu morro...
- Haverá um dia, D. Yolanda, em que os tumores hão-de mostrar a sua força e a sua importância. As pessoas vão perceber que têm estado a ser egoístas, que remeteram os tumores para um gueto e lhes retiraram direitos. É uma questão de tempo. A biodiversidade dos tumores, a ecologia dos tumores, os tumores como minoria marginal à sociedade. Incompreendidos, rejeitados, sem direitos, ...
- Adeus, Doutor.
- Isso, vai-te embora louca intolerante! Nunca perceberás. Esta gente é tão limitada que não enxerga os verdadeiros valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Como é que há gente que consegue ser tão insensível com os pobres dos tumores...


Lino Centelha

(ocorreu-me este diálogo ao saber que se tinha formado na Holanda um partido para legalizar a pedofilia, a pornografia infantil e a zoofilia...)

Sunday, April 09, 2006

Escritor rameloso

Zerozerossete and the blockbuster mountain

O agente secreto ao serviço de Sua Majestade, recentemente convertido aos apelos democráticos da República, colocou-se à disposição do novo inquilino do palácio cor-de-rosa, receoso de perder o lugar de funcionário público arduamente conseguido, para resolver, de uma vez por todas, e como missão ultra-secreta, o caso das escutas telefónicas em envelopes de correio azul. No início as coisas nunca correm muito bem mas a experiência internacional de um agente que até já tivera uma aventura no espaço, há-de resolver todos os percalços mantendo sempre a compostura do fato e do rosto e o ar de impenetrável emoção que tanto apraz ao seu novo patrono que até preferia o MacGyver. A necessidade de proceder a investigações em pleno Chiado constitui o risco imediato. Num lugar em que qualquer homem é um alvo em movimento tornou-se claro que só se vive duas vezes e se na primeira o segredo estava nas Blond Girls, desta vez a força da razão estaria nos Blond Boys. A investigação é dura, o meio está cheio de 'oh pás!' hostis e Blond, James Blond, sente que para ter sucesso nesta operação tentacular - sem as habituais octopussies - vai ter que dar o litro e integrar-se no meio, agir de maneira aberta e confrontar cada sentido com uma nova realidade. O andar da carruagem não parece muito propício e o Presidente começa a perder a paciência, mostrando-o através da ingestão nervosa de grande número de pastéis de nata. Os jornais anunciam que o ministro deu ordem para matar. Blond, James Blond, tem que reavaliar o seu plano. Equaciona a hipótese de ir ao estrangeiro fazer uma operação relâmpago. Mas os Boys, Blond Boys, de que se destaca Ary, reúnem-se no Príncipe Real a reclamar, e o governo desmente os jornais, garantindo que apenas existe licença para matar - e não ordem - desde que se reúnam os requisitos mínimos inscritos nas trezentas e trinta e três medidas do simplex. O herói volta à estrada e sente que poderá recuperar a confiança do Presidente se conseguir pôr o seu GoldenEye contra GoldFinger. No Chiado as cotações crescem e desde a Brasileira até ao café da Fnac já todos o consideram um agente irresistível. Mas em todo o lado cresce a inveja, a suspeita e a maledicência. As forças subterrâneas, equipadas de telemóveis de terceira geração com câmaras de dois megapixels e vibra-call tridimensional, fazem a cama ao agente ao serviço do Presidente. Blanka dirige as operações transgénicas. No blogue do É bruto aparecem referências indesmentíveis a uma reunião em que o Presidente terá dito a Blond, "vive e deixa morrer". Tudo indica que Blond, James Blond, terá sido incluído nos cem mil portugueses com direito a receber o anti-viral contra a gripe das águias. A comunidade estrangeira em Portugal reúne-se de emergência para reivindicar o direito ao anti-viral uma vez que todas as estatísticas garantem que o país já teria parado se eles cá não estivessem. Blond, James Blond, fica assim na charneira de um delicado problema diplomático com ramificações em países geralmente bem comportados nestas coisas dos direitos humanos como o Canadá, o Brasil e a Ucrânia. É neste momento que o carácter internacionalista do nosso agente vem ao de cima. O suspense é dado pela grande questão que nesta altura da acção dilacera o espectador: estará Blond, James Blond, em condições de enfrentar o homem da pistola dourada? Aqui existe uma dúvida que deve ser colocada aos promotores do filme: se a intenção é fazer uma sequela esta é a ocasião porque ou o amanhã nunca morre ou morre noutro dia. Segundo a prospecção de mercado os espectadores ficariam mais satisfeitos com perseguições vertiginosas pela rua Garrett acima e alguns eléctricos descontrolados a atravessar o Luís de Camões. Na cena da decisão enquanto Blanka discute com Blond, James Blond, se os diamantes são eternos ou não - Blond acha que sim, Blanka mais pragmática diz que são eternos enquanto duram - entra na sala Ary, armado até aos dentes, dizendo a Blanka que o mundo não chega para os dois. Blanka parece indefesa vestida apenas com uma minúscula cueca. Blond, James Blond, parece indeciso entre as paixões antigas e as mais recentes e não consegue mexer-se no seu fato às riscas muito engomado. Ary sente-se senhor da situação. Blanka num movimento ágil de mulher moderna que lê a Cosmopolitan, tira rapidamente o pequeno penso higiénico diário do interior da minúscula cueca. De facto não é só um penso higiénico. É também um telemóvel com UTMS de banda larga. Mas não é só um telemóvel é também muitas outras coisas. Mas o que interessa para aqui é que é também uma sofisticada metralhadora de alta definição. É com ela que Blanka aponta e mata Ary. Blond, James Blond, fica chocado - mas não surpreendido - com a quantidade de sangue que Ary tinha de reserva. Num primeiro momento Blond treme de angústia. Num instante vê que só lhe resta um caminho para salvar a reputação. Lança-se aos pés de Blanka que dobra o seu telemóvel fumegante e diz-lhe: casa Blanka, casa comigo. Blanka olha para ele com carinho e diz-lhe: casar não digo querido, mas juntamo-nos... pelo menos até a lei mudar...


[Este guião foi feito no intuito, suponho eu, patriótico, de dar à mão-de-obra nacional - chamemos-lhe assim - trabalho qualificado de representação cinematográfica, colocá-lo na senda das grandes questões do nosso tempo, e criar a hipótese, nada remota, de um filme português poder pela primeira vez ganhar o Oscar para o melhor filme estrangeiro e acumular, pela primeira vez também, os Oscares de melhor actor e melhor actriz para a mesma personagem.]


Lino Centelha

Monday, February 13, 2006

Mania do Chulé


Na sequência de uma visita meramente cultural ao Chulé na Meia aconteceu-me uma espécie de choque humanístico - em oposição a um choque tecnológico - que certamente num desvio às leis do essencial e do acessório me tocaram de perturbação e ansiedade.

Andava eu já preocupado por esta assimetria moral que faz com que noventa e nove vírgula nove por cento dos 'blogueres' tenham sido desafiados a revelarem as suas manias e nem um se tenha lembrado de mim quando, por acaso - e neste caso o acaso também se pode dizer puro - me defrontei com o drama do Chulé.
Verdade seja dita que mesmo que alguém me encadeasse na lista dos reveladores de manias eu não me teria dado ao trabalho de o fazer pelas seguintes razões: primeiro porque as minhas manias são inconfessáveis; segundo porque se não fossem inconfessáveis não seria manias; terceiro porque aquilo que eu eventualmente fosse capaz de confessar deixaria nesse instante de ser uma mania para passar a ser uma coisa de que, ainda que inconfessadamente me orgulhava.
O que me chocou no Chulé na Meia, e devo dizê-lo sem inibições, foi terem revelado publicamente a identidade de alguém que no anonimato tinha revelado uma mania inconfessável com o propósito muito sublime de saber se a sua mania se podia inscrever numa certa ordem, se não natural, pelo menos corrente e comum.
Ainda que até hoje tenha tido múltiplas e confirmadas razões para não acreditar na minha intuição, não pude deixar de intuir que na cabeça do Chulé se terá desenvolvido uma, digamos assim, necessidade extrema de partilhar uma pulsão interior que resulta de um conflito de opiniões entre a sua cabeça pensante e o seu húmus existencial.
Vamos por partes. Entre as minhas manias inconfessáveis não se encontra a mania do Chulé. Mas partilho com ele a necessidade orgânica e erótica de falar e esperar que algo ou alguém me ouça. E adicionado a isto tenho o hábito assaz esgotante de olhar para as coisas do maior número de pontos de vista possíveis.
Tenho para mim que a chave do mistério está na frase que, impossibilitado que estou se mostrar aqui a sua expressão sonora, transcrevo com a necessária limitação da palavra escrita: "Falo com o meu pénis". Reparem nas variantes que podem ser daqui retiradas e que, numa interpretação que dada a limitação do 'blogger' não pode ser exaustiva, conduzem a leituras muito diversas das intenções do Chulé ou, mais pragmaticamente, das intenções do seu subconsciente.
A leitura primeira identifica o Chulé como alguém que fala, que conversa, que se confessa ao seu próprio pénis. Reparem na questão redundante que tal leitura levanta. O pénis do Chulé está fartinho de saber o que o Chulé quer! A ser esta a leitura correcta estaríamos perante um caso de abuso de liberdade de imprensa dentro do campo restrito do indivíduo. Claro que esta não é a minha leitura.
A segunda leitura, perfeitamente viável, seria a transcrição de uma ideia anti-castrante que tentaria relacionar a masculinidade fálica com o pénis recolhido e, por consequência, afastar os medos da autoridade com jogos do género "falo com o meu pénis", "pénis com o meu falo", "falo como meu pénis", "pénis como meu falo", etc. Estas expressões que como já demonstrei podem dar origem a excelentes poesias 'rap' e conseguem-se assistindo com regularidade a programas de televisão codificados.
Muitas outras leituras haveria a que se poderia dar um enquadramento psico-físico elaborado como por exemplo "falo com o meu pé" em que se omite o 'nis' de uma maneira muito acessível ao Chulé.
Mas vou passar essa multidão de possibilidades para me centrar naquela que me parece a mais defensável e que, pelo seu sentido simbólico, melhor se adequa ao carácter etéreo do Chulé.
Há muitas situações em que um hífen faz a diferença. Todos conhecemos casos, pessoais ou não, em que o hífen resolveu com simplicidade problemas que pareciam complicados. Por vezes as sinapses apressadas trocam o hífen pelo hímen. A minha teoria é a de que, Chulé, num momento particularmente tenso da sua relação com Letícia, e vendo que as coisas não avançavam devido a um pormenor que nitidamente lhe escapava terá dito no ardor da refrega, "fá-lo com o meu pénis" num português impecável em que apenas se esqueceu do hífen.

Lino Centelha

Monday, January 02, 2006

Gogolplex

Continuo sem saber porque começa o ano assim, de maneira abrupta, sem dizer água-vai, indiferente, obscuro, assim num dia que não corresponde a nada, apenas por convenção, por pura convenção.

Tinha-te dito ontem, certamente ainda tocado pelos excessos naturais da época, que havia de descobrir a razão de o ano começar agora, precisamente agora e não noutra data - e eu arranjaria uma boa centena de datas muito mais apropriadas do que esta - noutro dia do ano em que mesmo uma pura convenção fizesse mais sentido.

A minha intenção era recorrer à ciência, à boa ciência e à má ciência, porque nascer o ano precisamente agora não há-de ser por uma boa razão, por uma razão de boa ciência. A minha intenção era ir à procura até encontrar, e dei-me generosamente um ano para tão grande empreendimento. Fica portanto a saber, quem quiser, que a minha intenção era pesquisar a razão de o ano começar aqui e agora, a razão desta pura convenção que nos faz cantar, deitar foguetes e brindar.

Seria portanto este ano mais um ano de pesquisa. Mais um ano de procura de razões para que o ano seja agora.

Disseram-me entretanto que não preciso de procurar muito. Que em segundos, na sociedade do conhecimento e companhia limitada, é possível descobrir tudo o que se quiser. Fiquei a saber que está na rede a resposta àquilo que procuro. Procure o que procurar está lá.

Foi este então o meu trabalho desta noite. Descobrir que não vale a pena procurar. Aquilo que eu quero saber está aqui ao alcance de um click, mesmo debaixo dos meus dedos.

O potencial deixou-me atónito. Tudo o que eu quiser está aqui. Num instante. Sem esforço, sem tempo, sem espaço, sem distância, sem penitência, sem medo. Tudo.

O meu saber agora é todo. O meu saber agora é a rede. E o meu saber é comum a todos. Bem... em potencial pelo menos. Hão-de deixar cair de pára-quedas computadores portáteis em todas as regiões remotas do mundo para que possamos todos, mesmo todos, estar assim na rede.

Não sei como dizê-lo mas abandono aqui o meu projecto. Sei que o que quero saber está mesmo aqui à mão e portanto é como se já soubesse. Apenas um click. É consoladora esta certeza. Não preciso de mais nada que a rede.

Estou feliz. Já nem me lembro do que é que queria saber...


Lino Centelha

Tuesday, November 29, 2005

Rép aflito

Ministério da Soltura
A meritória instituição
Merecia outra postura
Por toda esta multidão

É uma pouca vergonha
Na concertada porcaria
Uns estão a fazer ronha
Outros uma coprolalia

Não é justo para ninguém
Continuarmos em perda
Pois aposto que não sabem
Que fazer com tanta merda

Se eu mandasse distribuía
Pelos outros ministérios
Admitindo que conseguia
Tornar os estercos etéreos

Não me admira portanto
Que andem todos a bostar
Apenas me dá o espanto
Pelo destino do jantar

Mas é uma grande verdade
Pra rapaz ou rapariga
Pôr à prova a igualdade
Ao sentir dor de barriga


Lino Centelha
(com o alto patrocínio do Ministério da Soltura)

Thursday, November 17, 2005

Homenagem

Venho por este meio prestar a minha homenagem a todas as homenagens que se fazem para homenagear pessoas e instituições dignas de homenagem.
Consiste a minha homenagem em homenagear, homenageando os homenageados, os homenageadores e as homenagens em si.
Em primeiro lugar homenageio os primeiros homenageadores que, suponho eu, terão ficado conhecidos por homenagear alguém que, digno de homenagem, nunca tinha, lamentavelmente, homenageado ninguém. Essa notável iniciativa de iniciar esta homenageável atitude de homenagear, é, do meu ponto de vista, digna de toda a homenagem. Infelizmente, estas assinaláveis figuras dos primeiros homenageadores - amadores pioneiros e carolas - não ficaram com o seu nome devidamente registado na história, tendo eu agora de prestar a minha homenagem ao homenageador desconhecido, figura ímpar da história da homenagem, percursor de toda a trepidante e infatigável actividade homenageante que saudavelmente frutificou, se multiplicou e profissionalizou nos nossos dias.
Homenageio também os primeiros homenageados, que a leviana história igualmente deixou de parte, mas menos injustiçados porque, digamos assim, já tiveram a sua quota-parte de homenagem e que chamarei univocamente homenageado desconhecido.
Homenageio a seguir os homenageadores de segunda ordem que gratuitamente se emocionam com as homenagens que se fazem aos homenageados, ficando sempre com a culpa infame de não terem sido eles os homenageadores de primeira ordem, e se limitam a bater sentidas e dolorosas palmas no fim da festa. Quantas vidas não terão perdido sentido por não poderem fazer a sentida homenagem a que tinham direito, no momento certo, devido a um homenageador mais afoito que se lhes antecipou.
Homenageio ainda aqueles - e aqui ocorre-me uma lágrima - que nunca tiveram a perspicácia e a rapidez suficiente para, pelo menos uma vez, fazerem uma justa homenagem, antecipando-se aos seus pares - nesta competição feroz em que nos movemos - no reconhecimento inequívoco de um homenageável.
Por último, homenageio aqueles que, por razões que a razão não conhecerá, nunca foram homenageados, num nítido desperdício de matéria homenageável que me apraz agora corrigir.
Para terminar, torna-se evidente que esta minha emocionante e emocionada homenagem é digna de uma grande homenagem.

Lino Centelha
© Dias que Voam


Wednesday, November 09, 2005

Livros da vida

Para o Dias que voam fiz a lista dos 20* livros mais importantes da minha vida:

1. O Caminho Menos Percorrido, M. Scott Peck
2. A Vida não se Aprende nos Livros, Eduardo Sá
3. A Profecia Celestina, James Redfield
4. Tudo o que Temos Cá Dentro, Daniel Sampaio
5. Parar, David Kundtz
6. Bem-Estar Interior, Mª José Costa Felix
7. As Terças com Morrie, Mitch Albom
8. Elogio do Silêncio, Marc de Smedt
9. O Futuro do Amor, Daphne Rose Kingma
10. XIS Ideias para pensar, Laurinda Alves
11. Um Discurso Sobre as Ciências, Boaventura Sousa Santos
12. Portugal, Hoje - O medo de existir, José Gil
13. Tipos Dementes, Daniel C. Dennett
14. Quantum Chemistry, Ira N. Levine
15. O Nada e a sua Evolução, Frederico Meltingpoint
16. Matemáticas Assassinas, Kjartan Poskitt
17. Linux in a Nutshell, Ellen Siever
18. A Cibernética não é Difícil, A. Kondratov
19. Pós-Modernismo para Principiantes, Richard Appignanesi
20. A Improbabilidade da Comunicação, Niklas Luhmann

*Quando tiver lido mais eu digo

Lino Centelha

Saturday, November 05, 2005

Rép lido


Passei uma noite inteira

Olhando fixo a Ribeira

Enrolado numa esteira

Mirrado pela tremideira

A procurar a maneira

Zoológica ou certeira

Irada na pasmaceira

Natural da Ericeira

Horizontal à maneira

Ou vertical como queira.


Negociando a certeza

Um paradoxo na mesa

Marcado pela beleza

A chama já muito acesa.


Avanço contra o encanto

Vitimado pelo espanto

Entalado pelo pranto

Naufragado por enquanto

Isto passa, no entanto

Douro a pílula portanto

Ao pensar que sou um santo.


Deu tudo isto para o torto

E eu quase fiquei morto

Cimbalino concentrado

E para sempre acordado

Não tivesse eu almoçado

Tripas à moda do Porto

E um gim tonificado.


Nunca a paixão pelo belo

Usada com tal desvelo

Montar o barco rabelo

Assim como a pôr um selo.


Candidato à solidão

Infiel por convicção

Decidi já sem razão

Adoptar a escravidão

Daquela chamada São

E ficar como seu cão.


De nada valeu o drama

Ela pisou minha chama.


Gaia está entristecida

E hei fel na ponte minha

Nesta São que está esquecida

Tento encontrar a saída

E comer a francesinha.


Lino Centelha


Friday, November 04, 2005

A Mikas

Não gosto de me recordar da Mikas. Nunca me recordo. É uma questão de princípio não me recordar das coisas que passaram. Passou, acabou. Mas às vezes, por razões mais ou menos racionais lá vem uma recordação.

Já não me lembro do que é que ía falar. Ah! Já sei, da Mikas. Conheci-a numa acção de formação que frequentei no Algarve sobre como conseguir fundos para fazer acções de formação em hotéis na época baixa. Como ela não tinha calculadora pediu-me a minha emprestada e eu acabei a fazer as contas à mão.

É muito complicado perceber as mulheres. Arranjam sempre um bom motivo para durante o café-partido levar a conversa para fora dos temas puramente profissionais. Eu tinha a intenção de confrontar o monitor com uma série de questões muito pertinentes sobe os fundos, as faltas de fundos, as acções e a falta de formação, mas por causa da calculadora acabei a discutir com a Mikas, na ocasião ainda Dra. Miquelina, a falta de qualidade do café e de como isso produzia efeitos de dramática sonolência no resto da acção. A Mikas usava a sua voz rouca para me dizer que havia coisas muito mais capazes de lhe tirar o sono do que o café. Fiquei com a ideia que ela andava a meter qualquer coisa, o que na altura me deixou um bocado perturbado.

No café-partido da tarde ela pediu-me que lhe fosse buscar um sumo de laranja. Parece uma coisa simples mas não é. Porque um sumo de laranja deve ser feito de laranjas e o que tinham para dar aos formandos era um sumo instantâneo com cheiro a urina pós-coito. Perguntei se não tinham sumo de laranja natural e foi-me dito que aquele era natural mas eu podia juntar gelo. Insisti que queria o sumo natural de laranjas verdadeiras. Não tinham. O único sumo natural era aquele, feito de pó dissolvido em água mineral, mas se eu quisesse poderia ir ao bar do hotel pedir um sumo espremido no momento. Fui ao bar do hotel e disseram-me que estava fechado àquela hora por estar a haver um quebra-café numa acção de formação. Depois de alguma conversa o recepcionista disse-me para eu tentar directamente na cozinha. Na primeira subcave encontrei o que parecia ser uma cozinha mas veio a revelar-se uma lamentável lavandaria. Tive sorte porque estava lá uma empregada que me orientou na direcção da segunda subcave onde encontrei a porta principal da cozinha. Bati e como ninguém me atendeu entrei. A cozinha estava às moscas. Havia centenas delas. Depois de procurar encontrei um saco com laranjas. Com um pano espantei as moscas de cima da fruta e peguei em três laranjas que me pareceram adequadas para um bom sumo. Logo a seguir encontrei uma máquina espremedora eléctrica que por azar estava muito suja. Pensei que já que estava ali não ia desistir e por isso desmontei a máquina e lavei com o cuidado possível as peças que entravam em contacto com o sumo. Foi uma tarefa difícil e demorada porque estava tudo um bocado encardido e o detergente era muito agressivo para as mãos mas tinha dificuldade em descolar os sucos antigos do alumínio. Logo que consegui ter a máquina montada pude fazer um excelente sumo de laranja. Posso dizer que as coisas estavam a correr bem não fosse a dificuldade em encontrar o caminho de regresso à sala da formação. Quando finalmente consegui encontrá-la já os trabalhos do dia tinham terminado. Fiquei um bocado aborrecido porque acabara perdendo uma sessão importante em que se ia falar da correlação entre a formação e os custos na óptica da oportunidade e suas consequências. Achei que a Mikas me poderia transmitir aquilo que tinha perdido e fui à recepção saber em que quarto ela estava. Dirigi-me ao quarto 269 que era muito perto do meu, o 296. Bati duas vezes e a Mikas gritou lá de dentro para entrar. Estava no banho e lá continuou mais meia hora. Quando apareceu entreguei-lhe o sumo e perguntei-lhe que tal tinha sido o resto da sessão da tarde. Ela não respondeu, bebeu o sumo e sentou-se em cima da larga cama.

Então disse-lhe: "Porque estás triste? Não te dei já o sumo de laranja que querias?"


(continua)


Lino Centelha


Monday, October 17, 2005

Pó de ser

O meu signo da semana passada começava assim: "Possibilidade de encetar novos caminhos; alguns assuntos e problemas serão erradicados da sua vida dando campo a novas perspectivas".

As previsões eram tão animadoras que me fizeram lançar na semana com o maior dos optimismos. Na expectativa de um tempo alegremente incerto, e apesar da poeira que tinha assentado durante a noite, levantei-me e dei passos à toa pelas veredas do jardim da minha infância, à procura de inspiração para os novos projectos que a promissora semana esperava de mim. Durante a caminhada começou a chover. Mesmo tendo um pó desgraçado à chuva, aguentei os instintos e percebi que era um sinal dos céus. Deixei a casa dos espirros e voltei à pressa para Lisboa pensando que se a chuva me livrasse do pó eu ainda tinha uma possibilidade de ser o escritor famoso.

Passei por Fátima onde deixei uma vela das caras e comprei uma mão de cera onde consegui encaixar, com alguma dificuldade, diga-se, a minha MontBlank com que assino as teses e os cheques. Aproveitei para comprar também um terço para pendurar no espelho retrovisor, junto ao DVD virgem que uso para iludir os radares da polícia, porque desde que deixei de ter seguro contra todos os riscos tenho andado mais preocupado com os loucos que andam por aí ao volante.

Cheguei a Lisboa ainda a tempo de votar mas tive alguns problemas. O presidente da assembleia recusou a minha permanência naquele local com a minha mãozinha de cera, pois podia ser entendida como um símbolo partidário e estar eu, por isso, sujeito a uma coima. Pus a mão no carro e tive que votar com uma Bic já em adiantado estado de decomposição. Uma lástima. Com uma esferográfica reles daquelas eu não poderia votar dignamente no meu partido e por isso votei noutro.

Ao chegar a casa a noite estava fria e já ia alta. Sentei-me naquela poltrona junto à janela a olhar para a televisão. Os computadores do estado tinham avariado e os jornalistas deram os resultados de há quatro anos para posteriormente se poderem retratar pelo lapso. Mas não foi preciso.

Aborrecido por estar a ver um programa repetido fui escrever uma carta à Insónia. As coisas andavam mal há muito tempo mas o meu signo dizia: "É altura de colocar um ponto final em relações afectivas que não lhe trazem estabilidade, apenas com o coração livre poderá almejar por melhores dias". Imitei o tom da carta à Sandra que tinha usado com sucesso há uns anos para me despedir da dita. Custou-me um bocadinho porque ao fim de seis meses de namoro posso dizer que já estava numa espécie de prólogo ao coito. É o que se chama desperdiçar um investimento. Mas o meu signo era muito claro.

Na manhã seguinte cheguei cedo ao trabalho. "Alguém construiu uma fábrica a muitos quilómetros daqui" era a password da semana para entrar no refeitório e conseguir ter acesso à máquina de café. Até a menina Graciete sentiu o meu ar triunfal pois durante a manhã mais não fiz que ostentar a minha pose de bafejado pela fortuna dos céus e da conjugação dos planetas. No segundo café da manhã queimei-me. O dedo não arde, apenas dói. A Graciete tira outro café e pergunta-me o que me traz tão bem disposto. Falo-lhe do meu signo que diz: "não tenha medo do futuro." Ela fica de facto interessada. A vida é bela. As coisas estão mesmo a mudar.

À tarde falei com o Profírio, um colega meu que é primo do famoso escritor Jorge Rebelo Tinto, e perguntei-lhe qual era a distância de Lisboa a Aveiro. Disse-me que era a mesma que de Aveiro a Lisboa. Também me informou que de Lisboa a Aveiro demorava quase o mesmo que de Aveiro a Lisboa. Fiquei contente porque isto já eram dados importantes para por em acção o meu plano.

Na terça-feira a Graciete trazia um perfume novo. Embebedei-me de aromas ao tocar a pedra áspera do balcão onde alinhava as chávenas acabadas de lavar. Talvez por isso quando o patrão me chamou e me perguntou porque não estavam ainda acabados os documentos da qualidade que me tinha pedido eu lhe tenha respondido enigmaticamente: Mestre, certas pessoas tem toda a legitimidade para dizer "Que puta de vida!"... Deu um urro muito estranho, mesmo para uma pessoa como ele, e eu tive que ir tomar outro café para desanuviar. Para meter conversa disse à Graciete et in Arcadia ego e ela ficou a olhar para mim com um ar semelhante ao do patrão o que me deixou preocupado com as consequências inesperadas da inclusão da literariedade nos assuntos do dia a dia.

É aborrecido dizê-lo mas no dia seguinte não consegui evitar pensar enquanto acordava com uma renovada dificuldade: mais um dia! Cheguei aqui há algum tempo e desde aí que tenho esperado que o tempo passe. Pensei como é que podia evitar ir para o trabalho. Tinha cerca de setecentos papéis, quase todos iguais, para olhar com a máxima atenção antes de seguirem para os arquivos que guardavam a esplendorosa qualidade do nosso fabrico. Resolvi arriscar. Pus-me a debitar letras naquela folha de papel. Desta vez letras ao acaso, sem nexo. O resultado final seria o mesmo. Só por muito azar alguém alguma vez haveria de olhar para aqueles papéis. Uma improvável auditoria. E havia mesmo assim a hipótese de o auditor estar com o mesmo tédio que eu e olhar com interesse para os papéis sem de facto ver nada, acenando gravemente a cabeça em sinal de assentimento. A qualidade. A qualidade. Na parte mais dramática do meu epitáfio há-de ficar descrita esta cedência da minha escrita à desonestidade.

Há momentos em que paramos. Subitamente. Desta vez foi por falta de gasolina. Cheio de pressa passei a área de serviço de Leiria com o ponteiro encostado mas pensando que ainda dava para mais quarenta quilómetros. Qual nada. Poucos quilómetros depois parei.

O dia tinha começado mal. Uma carta no correio dizia: reaviso. Prezado usuário, até a presente data não consta dos nossos registros o pagamento da sua conta/fatura do mês anterior. É mau de mais. Perseguição, pensei eu. Resolverei isso mais tarde. Tal como os problema com o patrão, com a Graciete, com o Profírio e com o auditor... Há sempre um tempo próprio para cada coisa.

Tinha pensado entrar no Navio dos Espelhos como um actor entra em cena, sem nada que me despertasse a atenção, porque tudo sempre estivera lá, nos mesmos sítios desde o início. Mas o mundo inteiro estava contra mim. O Bush ao invadir o Iraque tinha feito disparar o preço do crude e com isso o preço de gasolina e com isso a minha ideia de poupar e com isso o depósito do meu carro sempre a ser atestado no limite.

Quando cheguei, às tantas da manhã, ouviam-se Les Voix du Silence. Percorri cada espaço. Sentia-o vazio agora, um refúgio oco. Olhei os livros caiados de pó de casa. Pensava: Seila quem é que votou em mim!Quem teria Paixão pelo meu texto? É terrível estarmos na ignorância do nosso destino.

Voltei para a casa do pó. O meu retiro nada tem de novo comparado com outros, é um local tranquilo onde me encontro comigo mesmo, onde tenho o silêncio, onde me viro mais para dentro do que para fora.

Automedico-me com o signo para esta semana: "A conjuntura é muito favorável para os nativos deste signo a quem serão dadas novas oportunidades indutoras de êxito, é necessário que se empenhe e demonstre acima de tudo, força de vontade e convicção. Pode ser alvo de manifestações sentimentais surpreendentes e inesperadas, retribua todos os afectos sem reservas..."

O pó enche de novo as superfícies horizontais. O bico da caneta é uma bola de caliça azulada. Voltarei ao Navio dos Espelhos à procura de um livro que traga novos signos e que possa, ainda que por instantes, dar a impressão que há coisas que valem a pena. Como é estranho que haja entendimento mesmo que as letras sejam deixadas cair ao acaso e não seja certo que haja um lugar perfeitamente esférico onde regressar.


Lino Centelha